Num filme que propõe um retrato amplo do sistema de classes chinês, Jessica Kingdom chama atenção quando concebe as inúmeras sequências hipnóticas do trabalho. Como que na construção do funcionamento de uma sociedade que é um espelho muito particular da ocidental, o filme se torna esse retrato da autofagia do capitalismo global.
Com cenas que compõem uma cultura importada para a China, como o fenômeno dos novos bilionários que querem replicar lá a experiência da criadagem de mansões do ocidente; contrapostas com outras que são o do que a China exporta como réplica deste consumo, na criação de objetos de exploração da base social. (celulares, brinquedos sexuais e etc)
Numa sequência, uma fábrica constrói com esmero um bocado de bonecas sexuais de silicone. Muitas delas feitas à imagem e semelhança de celebridades online, com maquiadoras e artesãs que buscam replicar os corpos e rostos de mulheres reais copiando de fotos de smartphones. Em outra, do lado contrário, um grupo treina num tipo de retiro corporativo, uma série intensa de regras de etiqueta.
No primeiro caso, uma materialização plástica da exploração midiática de corpos ocidentais. No segundo, uma tentativa de domesticar a própria cultura para se transformar num ser que replica comportamentos vindos de fora.
O filme não tem muitos letreiros, não tem nenhuma entrevista, não propõe nenhuma explicação muito direta de seus temas. Mas nem por isso deixa de esclarecer essa troca cultural pitoresca.
Num país onde certos problemas sociais e de vivência básica como comida e moradia bem controlados por um estado gigantesco em troca de liberdades básicas, a população circula em trabalhos que são representativos dessa espiral abastecida por dois mundos.
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登楼叹, china, 2022
direção: jessica kingdom
fotografia: nathan truesdell jessica kingdom
montagem: jessica kingdom