Clube zero, Jessica Hausner, 2024

Ocorre em algum momento enquanto se assiste Clube zero o paradoxo metalinguístico inevitável. Enquanto os personagens se esforçam para uma concentração absoluta no processo de comer, sei lá, uma batata, alguns espectadores podem se sentir compelidos a fazer o mesmo com o consumo do filme. Tentar encontrar ali, para além desse roteiro, dessa história, dessa ideia interessante, o que de cinema mesmo tem ao redor dessa história? O que de forma. De plano. De construção. Existe ali.

Infelizmente não tem quase nada. 

Surpreendente perceber que Jessica Hausner não é uma estreante. Que esse não é seu primeiro longa. Sua primeira tentativa. Dado o vazio de ideias que a gente vê.

Mas faz sentido. Pensando que ele estava na disputada e exclusiva lista da competição do festival de Cannes de 2023. E que ele conta com essa presença quase de luxo. Com essa quase captura de animal raro que é hoje em dia o protagonismo de Mia Wasikowska. 

No papel, é mais um filme sobre fanatismo ou sobre como a crença mexe com as pessoas. 

Inclusive a diretora já fez um filme sobre uma romaria a Nossa Senhora de Lourdes em 2009 e sobre uma obsessão amorosa em 2014. Entre outros. Tema que aqui encontra, mais que a ideia de retrato social, a adolescência como um combustível capaz de potencializar toda a ideia errada que pode entrar na cabeça dos personagens.

Na prática, entretanto – e cinema é prática, não ideia; encenação, não roteiro – tudo parece ser só um carrossel de discussões vazias. Sobre comida, no caso. Com pedaços perdidos aqui e ali de coisas mais interessantes que a gente nunca acessa. Perguntas sem resposta. Mas que não dão a sensação de algo intrigante e sim de algo incompleto. 

O que acontece no desfecho, por exemplo? É literal? É simbólico? O quadro na parede que é uma janela para um mundo metafísico. E quem é essa personagem principal? Ela existe fora dos limites da arquitetura brutalista daquela escola? Um mundo de verdade existe lá fora? Ela, que afirma viver de luz. Que vê o ato de comer como supérfluo. Realmente não come? Ela mente? 

Parece que tudo que mira em algo misterioso acerta no inacabado. Na narrativa e no jeito que as coisas são postas. Até os cenários parecem vazios. Simulando talvez um minimalismo que nunca é mínimo o suficiente para causar nada. Que coloca na decupagem aqui e acolá um ou outro cortes para planos que cobrem bem as cenas. Um filme oco. Faminto.E nem o pouco que ele tem de curioso ou de intrigante ou de potencialmente indigesto vai pra algum lugar. 

A comida em si parece tão plástica quanto tudo ao redor dela. Seja a gororoba da cantina ou a sobremesa elaborada servida pela empregada na casa das crianças privilegiadas. Porque o que o filme quer não é causar sensação nenhuma, ao que parece. O que ele quer é falar. 

Abrir um espaço de quase duas horas para, como dizem aí nos debates vazios e inúteis, “fazer uma provocação”. 

Tem certos documentários que muitas vezes acho que poderiam ser um podcast. Longas que poderiam ser curtas. Curtas que poderiam ser textos. Nada me tira da cabeça desde que eu o vi, três dias atrás, que Clube Zero poderia muito bem ser uma matéria de revista. 

(do  Uol Tab, da The Atlantic, da Vogue, da Trip….)

club zero, 2023, 2024, austria, dinamarca, frança, alemanha, inglaterra
direção: jessica hausner
roteiro: géraldine bajard jessica hausner
fotografia: martin gschlacht
montagem: karina ressler
elenco: mia wasikowska sidse babett knudsen amir el-masry elsa zylberstein mathieu demy ksenia devriendt luke barker florence baker samuel d anderson gwen currant amanda lawrence sam hoare camilla rutherford keeley forsyth lukas turtur isabel lamers andrei hozoc laoisha o’callaghan sade mcnichols-thomas szandra asztalos rebecca crankshaw

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