Caminhos tortos, Randall Park, 2024

De tempos em tempos, parece que bate a culpa em um cineasta, roteirista ou o que for. Sentimento que suscita em um filme reflexão comportamental, talvez. Aquela coisa do amadurecer e perceber “eu sou o babaca”; “sou em quem não valoriza essa relação”; “a culpa da minha solidão é minha”.

Numa tradição que pode chegar a coisas como O desprezo, onde isso se esconde nas entranhas do filme filosófico de Godard; em Noivo neurótico, noiva nervosa; ou até mesmo em 500 dias com ela, a versão anos 2000 disso tudo. 

Filmes que são sempre sobre isso. Essa desculpa do romance na superfície que é mesmo, no fundo, sobre a toxicidade masculina que a gente não percebe que carrega. 

Caminhos tortos. Longe de ser uma grande obra-prima que vai rivalizar com alguns filmes desses aí, traz essa mesma coisa pra uma geração Z ou millennial tardia. Com menos heteronormatividade e branquitude. Colocando sobre um cinéfilo de trinta e alguns anos esse mal humor e essa arrogância que só quem tem a certeza de estar sempre certo tem. O que, para críticos de cinema, pode ser uma experiência dolorosamente próxima de se assistir.

O texto é o que tem de mais chamativo aqui. Os discursos de cinema e representação forçados nos diálogos. Piadas e comentários claramente falando de coisas tipo Podres de ricos, por exemplo. Como quando ele se incomoda com a comédia romântica genérica que eles assistem em algum festival. Não só com o filme mas com o fato do filme mover tanta gente. Um filme feito por asiáticos sobre asiáticos, que por bem ou mal é um marco de representatividade. Incomodado, no fundo, com o traço “popular” do cinema popular. 

Mas por outro lado Randall Park – ou Adrian Tomine, que fez o roteiro baseado na própria HQ – incorre aqui em um risco real de uma certa hipocrisia nessas piadinhas. Visto que não tem nada demais na forma de Caminhos tortos. Tudo pode acabar soando como o cara medíocre criticando a mediocridade dos pares. Como o diretor que faz um filme medíocre para criticar o cinema medíocre. Metalinguagem? 

Não é necessariamente o caso. Não tanto, pelo menos. Até porque tanto esse quanto, ironicamente, Podres de ricos, são filmes que caminham muito bem nos trilhos formais da comédia romântica para falar do que querem. 

Mas o que tem de melhor aqui talvez seja a aposta ‘perigosa’ em nos grudar em pessoas ruins. Na galera desagradável. Nos personagens insuportáveis. Tanto ele quanto a amiga que vai para Nova York. Egoístas, arrogantes, grosseiros, antipáticos. Mas que são também, no fundo: gente. 

Coisa que nós vemos de vez em quando mas menos do que deveríamos, nas narrativas. Histórias sobre como a condição de imbecil não é necessariamente permanente.

shortcomings, eua, 2023, 2024
direção: randall park
roteiro: adrian tomine
fotografia: santiago gonzalez
montagem: robert nassau
elenco: justin h. min sherry cola ally maki tavi gevinson debby ryan sonoya mizuno stephanie hsu ronny chieng jacob batalon timothy simons theo iyer scott seiss nikhaar kishnani boran anh david niu george deihl jr. melanie j. newby jess nahikian adam enright daniel hank mike cabellon sheldon best randall park adrian tomine

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