Bande à part, Jean-Luc Godard, 1964

As coisas do filme sempre parecem meio fora do esperado. Desde a franja de cebolinha da franjuda primordial Anna Karina até o aspecto quase repetitivo do cineasta em fazer deste um filme menos anárquico do que o que ele vinha fazendo até então. Fora os curtas, no caso. Que são todos bem ‘comportados’ até aqui. Dentro ou fora das coletâneas das quais ele participa. 

Ainda assim, Godard é Godard. Não em um sentido de gênio inquestionável, mas no de que esse é um fruto da mesma cabeça que vinha desconstruindo as regras narrativas do cinema na primeira metade dos anos 60. Os diálogos inteiros filmados voyeuristicamente pelas costas dos personagens; a dança e a montagem bagunçada; as conversas sem rumo flertando com o surreal; a pausa para admirar as efígies das notas de dinheiro; o minuto de silêncio onde tudo fica realmente em silêncio. 

Talvez um dos filmes que fundamentalmente solidifica para o cinema moderno essa dinâmica do triângulo de amor, amizade, flerte, entre dois caras e uma mulher. É fácil perceber o porquê da popularidade dele. E o porquê de tudo ser tão icônico. 

A corrida pelo Louvre. O tiroteio. A cena em que eles dançam e se enroscam uns nos outros. Em uma obra que é das que talvez melhor concretize o hedonismo juvenil privilegiado parisiense. Capturando o aspecto sem rumo de uma juventude incomodada com alguma coisa. 

Com um vazio. Com um tédio. E que anacronicamente se torna uma captura da década das vésperas do que culminaria nas manifestações estudantis anti conservadoras de 68 na França.

Isso enquanto ainda é um filme que joga com o heist movie. Com um ‘mcguffin’ bem aparente. De uma invasão e de um roubo de uma casa. 

Casa essa que não pertence a esses personagens. A essa classe. Mas à outra. Ao patrão. À meia idade. À pequena burguesia. E embora pareça que o filme está mais preocupado com a comédia visual da escada gigante e do despreparo dos três. Tudo parece culminar para esse choque geracional e de classe que fica pairando.

bande à part, band of outsiders, frança, 1964
direção: jean-luc godard
roteiro: jean-luc godard
fotografia: raoul coutard
montagem: agnés guillemont françoise collin dahlia ezove
elenco: anna karina claude brasseur sami frey danièle girard louisa colpeyn chantal darget georges staquet ernest menzer jean-claude rémoleux michel delahaye louis jojot claude makovski michèle seghers jean-luc godard

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