A matriarca, Matthew J. Saville, 2024

Proponente de um certo “cinema de terapia” , Saville parte de suas experiências com a avó em A matriarca. Mas conforma o que quer que tenha de singelo e de particular em um clichê do jovem tendo de lidar com a idosa ‘complicada’. O impulso parece ser de captar o que tem de mais universal dessa história. O mistério da figura da avó. A mulher a duas gerações de distância que muita gente conhece mais a partir dos traumas impressos nos pais que em qualquer relação direta. 

Coisa que, pra mim, parece fruto dessa aresta. Desse pedacinho desse mistério que o protagonista não está mesmo interessado em acessar. Até porque as coisas que a gente sabe da Juniper – personagem título no original – são ditas por outros. Vistas em fotos velhas e comentários. Expressadas por ela só em traumas passados. 

Tudo o que ela viu da guerra. Da violência. Da estupidez. Tudo o que a levou a esse crepúsculo de vida onde ela se mantém dormente em dois terços de garrafa de gim todos os dias. 

Não tem nada de sutil nesse simbolismo todo. A casa é metáfora pro isolamento. A bebida é metáfora para fuga. A própria atriz. Rampling. Em seu modo mais severo. É a imagem de alguém que parece só aguardar o fim. Indisposta a se abrir pra qualquer coisa. 

Já foi feito melhor com gente melhor envolvida. Pensei muito em Aquarius. E tentei pensar em por que lá eu estava mais conectado à mulher que aqui. A resposta é óbvia. O protagonismo. O ‘quem’. Em quem se apoiar para pensar nessa ideia da vida longa pregressa. Das memórias agridoces. 

Charlotte não é nenhuma Sônia Braga, mas a questão nem é essa. É que aqui a gente passa o tempo todo com essas mesmas camadas de relação. Se Saville via a avó sempre separada dele por essas barreiras sociais, físicas, comportamentais. O gin, o quarto fechado, o pai que não gosta da própria mãe. A gente também vê ela mais através de outras coisas. 

Numa cena ela dá bronca no garoto porque ele diluiu demais a bebida em água. E parece que o filme é isso. Uma diluição dramática. 

No papel tudo parece intenso. Pesado. Atraente. A correspondente de guerra aposentada. A mulher independente que perde a independência e se vê presa ali. Com a perna quebrada que não sara e a enfermeira que ela despreza. Mas na prática, no nosso caminho tem o garoto. George Ferrier. Sam. Que por si nem é problemático como ator ou coisa assim, mas soa sempre desinteressante e burocrático. Ainda mais perto dela. 

Faz pensar de novo na coisa desse ser um filme que parte dessa história muito pessoal do diretor. Do quanto de atenção ele dá à criação dessa senhora distante. E do quanto ele não pensa na figura de si mesmo. Do seu ‘avatar’ no filme. Que soa no todo como o adolescente mais vazio do mundo. Passando aqui e ali pelos rituais obrigatórios da idade. O problema na escola. As brigas com o pai. A tentativa de masturbação pega no flagra. Parece que são itens a serem conferidos. Que só estão lá para preencherem os espaços mas que tiram a atenção de momentos realmente bonitos, realmente singelos. Como uma cena em que ele dança carregando ela. Ou no derradeiro nascer do sol. Planejado e anunciado.

Espero que tenha servido bem como homenagem. Como forma de processar essa memória doce que ele deve ter. Mas como filme, a tentativa de tornar qualquer coisa muito universal termina em um risco de tornar tudo muito genérico.

juniper, nova zelândia, 2021, 2024
direção: matthew j saville
roteiro: matthew j saville
fotografia: marty williams
montagem: peter roberts
elenco: Charlotte Rampling Marton Csokas George Ferrier Carlos Muller Edith Poor Tāne Rolfe Cameron Carter-Chan Carlos Rakete Maaka Pohatu Adam Gardiner Byron Coll Eryn Wilson Katherine Kennard Isla Jackson Maddy Diack Sabrina Yarndley

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