O homem dos sonhos, Kristoffer Borgli, 2024

Muito típico da esquisitice característica da A24, O homem dos sonhos é algo que a gente pode definir como interessante, pitoresco, curioso, exótico. Enquanto poderia, pela sua premissa, ter a capacidade de ser mais que isso. Provocativo, significativo, instigante. Não que o filme queira. Parece que não. Parece uma obra muito satisfeita do seu status de marginalmente fascinante e pertencente a um cinema independente muito pautado por premissas que são maiores que tudo. Muitas vezes até que as pretensões cinematográficas.

Me lembrou do indicado ao Oscar 2024 Ficção Americana. A dramédia, o trampolim para uma discussão cultural. Mas aqui é melhor, vai mais longe, é mais interessante porque não é algo que se prende tão somente ao tema. A mesma tecla batida do jeito mais desinteressante possível da raça naquele filme. Aqui, a questão é mais sobre como eventos culturais que atingem muita gente têm seus efeitos sociais diversos. 

Um cara que aparece no sonho de todo mundo. Primeiro como espectador. Depois como agente de  pesadelos. O que acontece com ele? O que acontece com quem sonha com ele? E daí as questões mais satíricas e mais específicas. Como se faz dinheiro com isso? Como a indústria cultural pode digerir esse fenômeno? 

Vai desaguar nas piadas batidas da agência de conteúdo. Da reação da internet. Da comicidade dos 15 minutos de fama. Mas o que tem de mais forte aqui vem da pessoalidade. De como isso afeta a vida desse protagonista tão notoriamente deliberadamente banal. Tão camuflado na sua vidinha medíocre que é obcecado com a forma com que as zebras se camuflam em grupo. Que até do próprio sobrenome ele abre mão em seu casamento. Relação, aliás que é a única que importa pra si. Mais que o dinheiro, mais que a fama, que as pretensões de carreira. Ele só quer continuar ali.

Cage – que aliás é realmente o ator perfeito para a coisa pitoresca que a A24 tenta solidificar como marca principal – é quem mais brilha no filme. Caminhando por entre as versões oníricas e reais de si. Entre o caricato e o naturalismo de um personagem que provavelmente não funcionaria de verdade com mais ninguém. Usando da sua imagem inconfundível em cenários criados mas também de cacoetes e tiques que ele constrói desse cara desconfortável com tudo. Em um filme que é o pesadelo de quem é tímido. De quem quer só se mesclar: o reconhecimento universal.

Na resolução de tudo, fica claro que é esse o problema principal do filme. Essa ótima premissa. Isto é. Que o filme é basicamente ‘só’ essa ótima premissa. Como se ela fosse um gerador de situações. Uma boa ideia que não tem uma reflexão sólida de verdade sobre seus temas. Que não “chega” de verdade a nenhum lugar muito interessante. 

Embora se tenha aqui um arranhão no aspecto de que isso como todos os fenômenos culturais, é efêmero. Esquecido um tempo depois. Mas seja porque o filme não sabe o que fazer com isso, seja porque ele próprio é fruto dessa sociedade e dessa cultura de coisas que não duram muito, parece que no fim a obra recua. 

Se protegendo no mais simples. O drama de personagens de sempre. A tentativa de reconquista do amor perdido. O que funciona. Justo porque o que tem de mais sólido aqui não é a pretensa reflexão cultural mas a dramaturgia mecânica que carrega tudo.

dream scenario, eua, 2023, 2024
direção: kristoffer borgli
roteiro: kristoffer borgli
fotografia: benjamin loeb
montagem: kristoffer borgli zach wiegmann
elenco: nicolas cage julianne nicholson lily bird jessica clement michael cera dylan gelula tim meadows kate berlant dylan baker jennifer wigmore nicholas braun david klein maev beaty al warren ben caldwell agape mngomezulu lily gao marnie mcphail star slade noah lamanna richard jutras kaleb horn philip van martin cara volchoff liz adjei jessie-ann kohlman greer cohen krista bridges noah centineo josh richards ramona gilmour-darling sofia banzhaf marc coppola amber midthunder alton mason thomas mitchell conrad coates marnie brunton jim armstrong leah stanley stephen r. hart will corno talia schlanger james collins caleb weatherbee nneka elliott jeremy levick nicole leroux jordan raf trish hoang domenic di rosa jesse goldman

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