Um samurai em São Paulo é lotado de boas intenções de sua diretora estreante. Não é o tipo de boa intenção que mereça o inferno mas também não é do outro tipo também.
A ideia aqui é um estudo sobre o personagem de um karateka de segunda geração, que treinou com o discípulo do fundador dessa arte marcial e veio para o Brasil quase como um missionário da luta. Formou família, abriu seu dojo, e dedicou a vida a isso. Foi atingido pela vida de muitas formas desde que chegou na maior cidade do país em algum momento dos anos 1970. Mas é um filme também sobre outras coisas.
É sobre Débora, neta de uma polonesa judia que veio pra cá depois de fugir enquanto era transportada para um campo de concentração. É sobre judaísmo, é sobre cultura japonesa, sobre brutalidade e a filosofia samurai que guia os praticantes da arte. Tem algo de João Moreira Salles, conscientemente ou não, na tentativa de se inserir na narrativa e de trazer à superfície as diversidades e contradições das coisas analisadas. Tudo debaixo de uma narração serena que acaba caindo muito numa lógica meio Petra Costa das ideias.
Falta, entretanto, o estofo dos documentaristas citados. Não que eles sejam sequer bons diretores, mas o que há em seus filmes e não há aqui é uma intencionalidade mais clara na exploração dos grandes temas que se reflete em textos melhores e numa forma mais interessante.
Débora opta pelo vai e vem das imagens de banco – muito boas, muito bem garimpadas – do passado, intercaladas com as capturas do presente. Das aulas e dos treinamentos. Mas quase tudo muito sem inspiração. Exceto por um momento ou outro onde sua câmera se fascina pelos movimentos dos pés do velho sensei.
Mas é no tema que a obra se perde. Sem querer ofender ninguém, sem querer ir fundo nos temas difíceis, vai empilhando assuntos e deixando de lado as oportunidades de aprofundar ou de complicar sua tese.
No texto, fica clara uma tentativa de comparar a com b. O homem que veio pra cá ensinar karate e a fugitiva do maior crime da história da humanidade. Falas rápidas vão dar conta de como o karate evoluiu de folclore samurai para se tornar esporte de competição, derrubando informações no caminho que poderiam gerar um filme por si mas que não se encaixa na comparação proposta.
Como por exemplo o fato de que duas pessoas morreram de cansaço ou outra coisa durante o treinamento deste mestre que veio pra cá. Ou que o discípulo do fundador transformou em comércio uma arte que se propunha permanecer como algo quase sagrado e limitado aos poucos praticantes. Historicamente falando, é um pouco pior. Como o fato de que o Japão lutou ao lado do Eixo (dos nazistas), não é interessante o suficiente para ser citado.
Tentando ignorar esse elefante na sala, o documentário simplesmente segue em frente com essa ideia do paralelo entre duas coisas que não parecem ser tão parecidas assim. No desfecho, capturas de sons de supremacia e de grupos pregando ódio no mundo todo, tentam amarrar mas soam como uma tentativa desesperada de arrematar uma linha solta.
um samurai em são paulo, brasil, 2023
direção: débora mamber czeresnia
roteiro: débora mamber czeresnia daniela capelato
fotogragia: guilherme ribeiro
montagem: joaquim castro yuri amaral