Por mais que não chegue onde quer enquanto drama, que não seja tão bom enquanto continuação dos dois anteriores e não seja uma estreia genial na direção, Creed III se destaca porque Michael B. Jordan abraça a ideia de tornar o filme algo como uma mistura entre o simplismo narrativo de Cobra Kai e uma homenagem formal às estilizações de animes. Só não chega tão longe porque o teor dramático é uma pedra no seu caminho.
Primeiros filmes de atores tornados diretores são sempre uma incógnita. A gente nunca sabe se o ator medíocre vai ser um grande diretor tipo Todd Field, se a atriz boa vai ser uma excelente diretor tipo Sarah Polley ou se o ator mais ou menos vai ser um diretor razoável tipo Ben Affleck. Além de claro, os casos em que a pessoa é péssima em muitas frentes. No caso de Jordan, por mais que não dê para sacar com uma tentativa só e que as suas limitações da dramaturgia desse filme sejam bem evidentes, ele tem algo ali que diretores de carreira muitas vezes não conseguem: uma ideia do que ele quer fazer com a forma.
Isto é. Creed III é conscientemente sobre um embate de gigantes. Menos do ponto de vista geopolítico e melodramático como Rocky 4 e mais da perspectiva de super seres se enfrentando em um torneio. Coisa tipo O grande dragão branco ou, é claro, Dragon Ball Z.
Jonathan Majors tem todo o jeito de vilão do estilo, aliás, na pele do lutador que tem um passado desconhecido encarcerado e uma fúria mal contida Damian ‘Diamond’ Anderson. Detalhe: um amigo do passado de Adonis, preso por causa dele, que volta querendo o que lhe foi prometido. Buscando tomar para si a vida que Creed lhe roubou de estrela mundial do Boxe.
O ato de abertura super estimulante da dupla circulando pelos subúrbios de Los Angeles em que o diretor abre suas asinhas com planos longos, cenários escondidos e jovens que têm tudo à flor da pele promete algo que não se concretiza muito bem depois que salta para o presente para mostrar a trilha de cenas protocolares da vida doméstica, da ambientação, do peso do sucesso. Coisas que denunciam uma certa “obrigação” de ter de lidar com os coadjuvantes (particularmente as mulheres da família dele) super construídos nos filmes anteriores.
A esposa precisa de seu trabalho de sucesso, a filha precisa de seus momentos fofos, as mãe precisa tomar um espaço de mentora preenchendo um buraco no formato de Rocky Balboa. “Precisa” sendo a palavra chave aqui, que fica clara na forma pouco interessada com a qual Michael B. Jordan lida com essas cenas que, claramente, ficam no caminho do embate pra ele.
É o aspecto que revela a maior fragilidade aqui: não o drama, não a falta de drama, não o foco na briga, mas a indecisão do filme enquanto fruto de muitas cabeças e de muitas demandas.
Não dá para dizer, mesmo assim, que o resultado seja de um filme que nunca escolhe o drama ou a ação. Até porque é bem claro o interesse em um desses lados aqui. E esse lado é especificamente o que existe dentro dos espaços de treino e de combate. Pegando uma página da bíblia de Cobra Kai e resolvendo mais conflitos emocionais com um socão bem dado do que com qualquer diálogo, Creed III sabe o que quer. Escolhe algo com o que se importar de verdade e esse algo é muito bom mesmo quando não funciona tanto assim.
Com um uso muito propositivo de montagem, com coreografia e com inspirações visuais nunca vistas antes na franquia, esse filme eleva a ideia do cinema de boxe de alguma forma a coisas que nem sempre a gente vê num subgênero muito mais dado ao melodrama do que qualquer outra coisa. Em uma cena do início, um soco que ele vai dar em um homem caído (um tutor abusivo), volta pra ele vinte anos depois direto na cara. Na luta pelo cinturão que vai consolidá-lo como o melhor do mundo. É um comentário muito claro, muito simples, muito direto (no caso um gancho) sobre como o passado pode voltar para te ferir.
Em outros momentos, as lutas não só lidam com boas coreografias ou continuam o capricho que os filmes anteriores também tinham, mas buscam uma dramaticidade própria e uma plasticidade que coloca aqueles dois que estão entre as cordas na posição de super humanos que se movimentam em uma velocidade diferente da nossa. Com um uso preciso de slow motion e uma costura de planos detalhe alongados artificialmente que parecem saídas de um cinema de blockbuster de fantasia ou de super heróis. Como a cena em que um murro na barriga faz com que o suor das costas seja ‘descolado’ por um instante.
O auge é algo como um conflito em um campo “espiritual”. A batalha por Los Angeles que o nome da luta diz e que é bem repetida. O passado vindo reencontrar o herói na forma de um homem muito mais forte, mais rápido e muito maior que ele. Como se num enfrentamento de um super vilão.
Majors faz muito bem o que consegue com a construção rudimentar que Damian tem nessa premissa (quase o nome fo anticristo do filme A Profecia, aliás).
Porque até ele, diretamente conectado ao que o filme tem de melhor, é atingido de alguma forma pelo enredo tosco. Ora mau como um vilão da Disney, ora um jovem fruto de uma sociedade complicada que amadurece e reconhece seus erros. Ele tem arestas de um passado que a gente queria ver mais mas que o filme não mostra. Seja na prisão, seja antes da prisão, parece que falta um pedaço aqui. Isso em um filme que já é bem inflado em sua duração.
Numa análise distanciada destas peças, parece que o quebra-cabeças seria fácil de resolver. Que era só largar o drama familiar e trabalhar mais nesse aspecto superficial, que precisa de mais tempo de Damien e menos de amarras das relações passadas, que com mais duas ou três trocações, esse seria um quase novo clássico da ação.
Mas o mundo não é tão simples, a franquia precisa de certas coisas e, no frigir dos ovos, mesmo com essas dificuldades no caminho, o filme conseguiu superar a média de mediocridade para onde a série parecia se encaminhar.
Mas o que ele faz melhor mesmo é deixar uma pontinha de curiosidade do que Jordan pode fazer por trás das câmeras a partir de agora.
creed iii, eua, 2023
direção: michael b. jordan
roteiro: ryan coogler zach baylin keenan coogler
fotografia: kramer morgenthau
montagem: tyler nelson
elenco: michael b. jordan tessa thompson jonathan majors wood harris phylicia rashād mila davis-kent josé benavidez jr. selenis leyva florian munteanu thaddeus j. mixson spence moore ii tony bellew ann najjar patrice harris jacob ‘stitch’ duran michelle davidson sage shirley eric daniel stumpp leah haile pete penuel julia llamas james sanders iii teófimo lópez stephen a. smith barry pepper