Borden pega uma premissa de um suspense erótico muito descarado e tenta dizer algo através de um filme que, em última instância, sofre algumas consequências de se moldar ao formato e às demandas de estúdio/gênero quando do nada tenta virar um suspense.

O fotógrafo que abusa de mulheres usando um nome falso e que escala na violência é caçado pela promotora que se torna vítima e objeto de desejo. Parece algo que existe para a sedução, o sexo, a relação perigosa de gata e rato. Se encaminha pra isso, de algum jeito, na estrutura. Mas a diretora escolhe de alguma forma, muito pela escalação das vítimas e pelo uso da aparência caricata do vilão, fazer um filme pra refletir sobre alguma coisa nesse processo. 

Seria lugar comum dizer que o olhar feminino tira o erotismo dos momento de abuso. Ela faz isso, mas mais além, parece buscar na escolha dessas vítimas o rosto da mulher comum. Dos corpos fora do padrão, dos rostos menos hollywoodianos e mais ordinários. Materializando algo da trama em si, que é o fato dele sempre se aproveitar de vítimas com baixa autoestima e trazendo à tona essa desglamourização de gênero de algum jeito. Mas, além, criando algo de contrastante com a protagonista.

Não só pela presença quintessencial de Sean Young como femme fatale dessa época e de sua fama de devoradora de homens depois de seus problemas de justiça com James Woods, mas também pela construção muito precisa de uma personagem que não é o tipo de protagonista com a qual a gente quer se identificar. Que usa a melhor amiga, é amante do colega de trabalho casado e que é, em um fiapo de construção, apresentada como alguém que gosta dessa lógica da caçada. 

Sedutora mas masculinizada. Vestindo seus ternos fechados como forma de se impor. Mesmo a blusinha delicada que usa quando se passa por professorinha, ostenta duas ombreiras bem aparentes. 

(em uma cena perto desse ‘disfarce’, ela se maquia sem perceber exatamente como uma das amantes do pai que ela presenciou na infância)

O racha do filme se dá nesse encontro. Um chega no outro, as coisas não saem como o planejado, se forma um capítulo de choque dos personagens em um espaço isolado. Nunca sabendo muito bem se vai mais fundo nos aspectos de sedução – o que parece algo externo e imposto na obra – ou se explora mais a questão dramática de como ter uma mulher diferente como vítima afeta a psicologia desse abusador. Que aliás é um dos melhores papeis de Patrick Bergin mesmo operando sob o mesmo tipo que ele fazia em alguns outros filmes na época.

Essa gangorra ou cabo de guerra de forças opostas afeta negativamente as duas frentes mesmo com cenas que isoladamente são provocadoras e interessantes. Como uma, em uma banheira, onde ela é vitimizada pelo método do psicopata enquanto fantasia sexualmente com ele.

Até o desfecho, a cineasta deixa uma assinatura que supera esse choque criativo da obra no fim das contas. Usando muito a imagem desse cara, do homem forte de bigode, como ferramenta narrativa. Seja nos flashbacks ou em outros momentos que vão construir a instabilidade dessa mulher. (numa cena antes do fim, ela se vê cercada de policiais com visual parecido)

No frigir dos ovos, tudo parece acabar do nada. Tanto esse capítulo do choque entre eles, que se finaliza com um tiro, quanto o filme em si, que concebe ainda algo imageticamente bem marcante com a câmera que agoniza com seus flashes intermitentes.

love crimes, eua, 1992
direção: lizzie borden
roteiro: allam moyle laurie frank
fotografia: jack n. green
montagem: mike jackson nicholas c. smith
elenco: sean young patrick bergin arnetia walker james read ron orbach fern dorsey tina hightower donna biscoe jill jane clements kate rodger gary bullock

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