Com um início regado a literalmente coco de elefante, uma orgia, overdoses, acidentes de carro, anões carregando pênis cenográficos gigantes e tumultos infernais em uma festa qualquer, é fácil pensar que os excessos de Chazelle em Babilônia vêm desses bastidores das vidas pessoais de quem colocou Hollywood de pé. Mas no dia seguinte, depois do título finalmente surgir em letras garrafais em tela com 31 minutos de filme, o dia de trabalho nos sets de dois filmes que são a estreia da personagem de Margot Robbie e de Diego Calva são tão infernais quanto a festa da noite passada. Com câmeras destruídas, luz do dia indo embora, repetições infernais de cena, incêndio e morte.

O alívio só vem na montagem. Literalmente. O corte da película, as cartelas de títulos do cinema mudo sendo escritas e, finalmente, a tomada perfeita para capturar tudo. O beijo a contraluz com a borboleta pousada no ombro do herói. A lágrima solitária escorrendo no rosto da coadjuvante que rouba o filme pra si. 

É uma lógica de estrutura que se repete mais muitas vezes dali pra frente. Sempre a partir desse jogo entre o trabalho exaustivo do dia e a extrapolação disso em forma de festas regadas a todos os narcóticos possíveis nos anos 1920s. Década em que Hollywood nasceu de verdade, cresceu, se modernizou e, como o filme deixa claro e bate muito na tecla: foi domesticada pelo surgimento da indústria cultural. Onde não importam mais os conceitos artísticos ou mesmo de entretenimento. Onde tudo é calculado a partir da possibilidade de bilheteria ou de mercantilização de tudo o que está relacionado à obra. 

Tanto faz se o filme é bom, ruim ou completamente esquecível. Se o ator traz algo de si para a interpretação. Se é certo ou errado fazer algo dentro dessa lógica. O que importa mesmo é encaixar todas essas forças dentro de um produto vendável e mais lucrativo possível. Soa familiar?

Nessa ilustração de Hollywood como máquina de moer gente que tantos já fizeram de forma melhor ou pior e a partir de perspectivas muito diferentes, o diretor busca uma abordagem épica de tudo. Então cada momento é grandioso. É cansativo. É estendido e explorado até as últimas consequências seja em duração, seja em exploração do terror, da comédia, da angústia que as cenas proporcionam. Seja na caricatura das coisas. 

Existe algo que pode ser acusado de uma ingenuidade do diretor aqui. É tudo tão simplista e burlesco que é difícil ver os quatro protagonistas como pessoas de verdade. Robbie é a estrela em ascensão e Pitt a estrela em declínio e, no meio deles, Calva é o cinéfilo apaixonado que quanto mais se aproxima da produção da arte, mais perde sua alma e seu amor por ela. Enquanto a quarta parte de personagens que carregam sobre os ombros essas metáforas para as vidas de quem compõe a indústria se dá a partir de Jovan Adepo, um cantor de jazz que parece superar as suas origens raciais mas só para virar um produto circense nas mãos de quem sustenta tudo aquilo.

Em algum ponto, uma das tantas esposas do personagem de Pitt discute com ele sobre a minoridade do cinema enquanto arte. A vulgaridade disso. É algo que se conecta diretamente com a simplicidade da dramaturgia que o diretor propõe aqui. E que, por querer ou sem querer, é concretizada graças a forma meio “adolescente” com a qual Damien Chazelle enxerga as coisas desde sempre. Mesmo em seus filmes anteriores que supostamente lidavam com temas maduros e complexos mas que se resolvem com o simplismo digno de teledramaturgia. Até tosco em certos momentos. 

O musical ingênuo do branco fã de Jazz de La La Land, a história eticamente indecisa de Whiplash e o drama de luto tratado a partir da carga simbólica de certos objetos em O Primeiro Homem. 

Essa Hollywood, então, nem é intimista e fria como em Mapa para as estrelas, nem é idealizada como a de Scorsese em O Aviador, nem é realisticamente arrogante como muito do cinema malvadinho da contemporaneidade que se vê em Blonde. Talvez por causa da credulidade desse diretor, que enxerga tudo muito preto no branco e que faz as coisas funcionarem como peças isoladas de temáticas complicadas que nem ele entende. 

A indústria do cinema é insuportável? Façamos um filme sobre essa experiência que de tão intragável é incômoda (como o primeiro momento da cena capturada em som). Ela é caótica? Então materializamos esse caos em festas labirínticas com uma infinidade absurda de personagens. Ela é violenta e afeta fisica e emocionalmente quem faz parte dela? Vamos até as últimas consequências. Quem perde espaço não volta mais (como o discurso que Pitt recebe da jornalista de fofoca de Jean Smart); quem se mete com as pessoas erradas é morto; quem se vende pra indústria precisa escolher entre participar dela e se humilhar ou sair dessa roda; quem perde a alma para os processos de bastidores perde também a sua capacidade de amar a arte em si. 

Alguém pergunta a Calva na reta final “você é o produtor?”. “Executivo de estúdio”,  ele responde. Denunciando da forma mais direta possível o que aquele lugar fez com ele.

Pensando nisso, mesmo o epílogo, em uma cena que mais uma vez Damien Chazelle vai longe demais com o uso de uma montagem que exagera no seu referencial e no seu simplismo, se encaixa nessa ideia de Babilônia como – dadas as devidas proporções e sem o mesmo brilhantismo – uma versão cínica e pós moderna de Cantando na Chuva. Como se o filme operasse na chave emocional inversa da obra prima de Stanley Donen e Gene Kelly.

babylon, eua, 2022
direção: damien chazelle
roteiro: damien chazelle
fotografia: linus sandgren
montagem: tom cross
elenco: brad pitt margot robbie diego calva jean smart flea jovan adepo j.c. currais jimmy ortega hansford prince telvin griffin olivia wilde circus-szalewski lukas haas li jun li kaia gerber patrick fugit eric roberts cici lau tyler seiple zack newick rory scovel olivia hamilton p.j. byrne alexandre chen bob clendenin miraj grbić johnny hoops james wellington carlos nunez laura steinel danny jolles james vincent richard clarke larsen max minghella samara weaving jeff garlin anthony burkhalter terry walters trisha simmons ariel flores karolina szymczak sean o’bryan david ury katia gomez vanessa bednar carson higgins armando cosio frederick koehler spencer morgan ric sarabia jim allen jackson katherine waterston yissendy trinidad cyrus hobbi anton hedayat hayley huntley john mariano christopher allen arely vianet jeremy roberts alex reznik chloe fineman pat skipper john kerry sarah ramos jennifer grant julian lefevre taylor nichols bryan scott johnson kelly meyer brenna power david abed kevin symons jonathan thomson jim o’brien chris doubek dorian martin todd giebenhain mather zickel ireland sexton andrew hawtrey mike fletcher jonathan ohye james crittenden pete ploszek robert beitzel ethan suplee walker hare douglas fruchey taylor hill marc platt stephen thomas sophia magaña karen bethzabe oscar balderrama aurielle simmons eamon hunt kenajuan bentley john macey noah reilly marcos a. ferraez phoebe tonkin troy metcalf albert hammond jr. cutty cuthbert bregje heinen dana marcolina tal seder robert morgan nana ghana joe dallesandro e.e. bell sol landerman karina fontes spike jonze freya parker tobey maguire lewis tan manny liotta

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s