Os horrores do mundo vistos pela inocência da irracionalidade.
Skolimowski nunca abandona a perspectiva do protagonista aqui, um burro que sai de um circo e vai fazer uma jornada por uma sociedade hostil que em última instância será demais pra ele. Pelos seus olhos, vemos seus sonhos, seus anseios, sentimos a saudade que ele sente e a dor que ele sente. Em um mundo de medo e violência mas também de belezas escondidas na natureza e na civilização e também no encontro das duas.
A lógica vem muito da estrutura. Os dias são do contato com essa vida e as noites são os momentos de reflexão e ruminação. Das cenas mais marcantes, está a da floresta, quando os animais selvagens são capturados em som e imagem com o rigor poderia pertencer a um documentário da Discovery. Não para nos afastar e dar ao filme qualquer tom de cientificismo frio, mas para nos aproximar desse tom fabuloso. Elevando as corujas, os lobos e os outros bichos a quimeras mitológicas.
Em outro ponto, das cenas de drone que se encaixam num momento que nos permitem pensar que estamos numa era de ouro desse tipo de captura, as imagens vermelhas que pairam por entre as árvores e se aproximam de turbinas eólicas como versões modernas dos moinhos de vento de Dom Quixote. Girando pra imitar o movimento circular das estruturas. Interrompidos pelo som da ave de rapina abatida caindo no chão. Materializando esse choque entre os dois mundos em um choque literal de máquina e animal que nunca precisamos ver mas sentimos.
A rispidez do diretor, entretanto, que cabe tão bem isoladamente em momentos assim, acaba penando nos encontros com pessoas. Vem à tona a tentativa de criar um certo mosaico de personagens. Mas a materialização dramática deles não fica muito longe da intenção. O que no todo cria uma relação complicada de quem assiste querer esperar as pessoas sumirem para que o filme experimental noturno retorne.
Curioso que é isso que conecta muita gente. Por mais banal que seja. A relação com as pessoas, a perspectiva do bicho e outro tanto de clichês que já são lugar mais que comum. E focar nisso nos leva a impressão de que realmente não tem nada demais aqui. Mais um filme feito a partir de uma perspectiva não humana. Mais uma narrativa que repete a vidinha trágica de um ser sem autoconsciência e sem o peso do existencialismo nas costas.
Tanto que é aqui que sobram coisas meio inesperadas tipo Isabelle Huppert e um crime que ocorre em um caminhão. Coisas que parecem descoladas do núcleo mas que com algum interesse dá pra perceber que não são.
A impressão é que nessa parte Jerzy Skolimowski não está muito interessado. A conclusão é que tem algo demais aqui, então. Só que é algo que se esconde por debaixo de uma camada de banalidade que atrapalha os momentos de grandeza de EO.
io, polônia, 2023
direção: jerzy skolimowki
roteiro: jerzy skolimowski ewa piaskowska
fotografia: michal dymek
montagem: agniezka glińska
elenco: sandra drzymalska lorenzo zurzolo mateusz kościukiewicz isabelle huppert tomasz organek lolita chammah agata sasinowska anna rokita michał przybysławski gloria iradukunda piotr szaja aleksander janiszewski delfina wilkońska andrzej szeremeta wojciech andrzejuk mateusz murański marcin drabicki maciej stępniak fernando junior gomes da silva krzysztof karczmarz waldemar barwiński saverio fabbri katarzyna russ ettore the donkey hola nico gonzalez mela rocco takonkiet weerawan marietta