Não é uma surpresa perceber que Steve Beck trabalhou, antes de sua brevíssima carreira de direção, no departamento de efeitos visuais da ILM em filmes de James Cameron, Spielberg e McTiernan. Embora talvez seja forçar a barra dizer que ele de alguma forma baseia “seu cinema” (dois filmes nos anos 00s) nesses diretores.
O fato é que o que Navio Fantasma tem de mais perene e interessante de um ponto de vista técnico é como é um longa muito entusiasmado com a integração dos seus efeitos visuais na construção desse horror fantasmagórico que se volta para um cenário de um rico potencial para explorar isso. Uma lógica de terror em que o espaço tem quase uma personalidade. Como o hotel Overlook, o Bates Motel, a cabana de Evil Dead ou coisa assim. Por mais que esse seja um filme muito, muito mesmo, pior no fim das contas.
É sempre um caminho tolo da análise culpar os rumos da história quando se pensa em cinema, mas o fato é que isso salta muito aos olhos como o lado mais fraco aqui. A sensação meio de que esse enredo avinagrou com o tempo. Que foi se estragando com o desenrolar. Culminando numa reviravolta patética. Mas a culpa não é da trama por si. É da falta de pulso do filme em escolher e defender um caminho. Porque se formos decompôr tudo em partes, existe um potencial no horror de câmara, na aventura e enlouquecimento do grupo, nos fantasmas como metáforas para traumas passados etc.
É um problema muito fundamental da dramaturgia chegar no final do filme e ficar com a sensação de que a história que eles contam do que matou a tripulação no passado era muito mais atraente que esta desse grupo sem personalidade morrendo aos poucos.
Dessa lógica que surge a sensação que o pouco de unidade estética que esse filme tem está relacionado a uma certa habilidade de construção de terror CGI dos momentos isolados. Não por acaso, uma geração que consumiu fragmentos desse filme nas propagandas e sessões de sábado à noite na TV têm tão solidificadas na memória algumas cenas marcantes. O cabo de aço cortando as pessoas, o espírito da cantora sedutora, a menina cujo medalhão atravessa a palma da sua mão. Tudo muito atrelado ao jeito como Beck resolve essas coisas visualmente.
Curioso que 13 fantasmas tem esse mesmo efeito. Mesmo quem nunca viu mas sabe que filme é sabe de algumas cenas. (a mais famosa, de um personagem verticalmente cortado ao meio por uma lâmina de vidro) Beck desistiu ou simplesmente se aposentou depois disso. Mas me questiono se ele não faria um grande filme eventualmente caso encontrasse um lugar ideal para seus traços de estilo.
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ghost ship, eua, 2002
direção: steve beck
roteiro: mark hanlon john pogue
fotografia: gale tattersall
montagem: roger barton, rebecca weigold
elenco: gabriel byrne julianna margulies desmond harrington ron eldard isaiah washington karl urban emily browning francesca rettondini bob ruggiero jamie giddens alex dimitriades