Tematicamente é grandioso. Mostra todos os sintomas de um Almodóvar envelhecido preocupado com algo como um legado, inserindo seu cinema cinéfilo de melodrama nos aspectos políticos da Espanha contemporânea. Trazendo consigo a força do elenco e a exploração das relações dos personagens, dos aspectos de trama artificiais da forma como o filme se estabelece esteticamente.
Não fica muito claro o que exatamente ele busca com certas coisas, embora os paralelos entre outras sejam bem evidentes.
A ideia de maternidade se enrola com a de ancestralidade num país que custa remontar parte de sua história forçosamente apagada por uma ditadura sangrenta. A protagonista se preocupa com as relações de sangue da filha e o filme se preocupa com a reconstrução das árvores genealógicas derrubadas pelo franquismo.
Parece que junto disso, a obra pousa também sobre a questão de registro. De reconstrução. A personagem é uma fotógrafa. A trama se move na busca dela pela conexão com a filha. O lado do antropólogo busca nos aspectos banais da vida nas vilas menores tentar entender quem é quem por fiapos de relatos. “quando ele sumiu, carregava um chocalho”; “ele mancava”; “ele usava um sapato específico”.
Relações claras que, sem serem explícitas demais, se aprofundam nos grandes subtextos que o filme carrega. Mas ao mesmo tempo, o filme faz certas escolhas que não necessariamente se esclarecem.
O aspecto digital, cristalino, com uma taxa alta de quadros, da captura, cria no visual um aspecto de novela. Muito digital, muito pouco “cinematográfico”, muito artificial. Buscando o que exatamente?
Trazer à tona o lado irreal da parte do melodrama mais afetado, como se referenciasse uma telenovela? Ou o contrário? Ressignificando o que o cinema sempre chamou de realista, fazendo com que o digital apagasse toda a máscara cosmética que o cinema cria?
Essa falta de certeza pode corroer, pode deslocar nossa visão do filme. Trazer um desconforto. Embora ela seja ao menos fruto de uma escolha ousada de visualidade e da tentativa de comunicar mais que só pelo desenrolar do roteiro.
Não necessariamente funciona completamente, mas nem por isso deixa pouco evidente o talento de um dos maiores cineastas europeus vivos.
madres paralelas, espanha, 2022
direção: pedro almodóvar
roteiro: pedro almodóvar
fotografia: josé luis alcaine
montagem: teresa font
elenco: penélope cruz milena smit israel elejalde aitana sánchez-gijón rossy de palma julieta serrano arantxa aranguren adelfa calvo josé javier domínguez carmen flores trinidad iglesias inma ochoa ana peleteiro daniela santiago chema adeva luna auria contreras