Schrader vai fundo na regra não dita de que qualquer remake de cinema noir da década de 80 ou 90 vai ser sobre sexo. Ainda que ele mereça um desconto de que era meio inescapável aqui.
Numa década de cinema exploratório com um material em mãos que lida centralmente com uma mulher que tem dentro de si uma deusa pantera que se revela por meio de comportamentos selvagens, sobre o que mais seria o filme?
Mas o que tem de mais interessante aqui, num trabalho amargo de refilmar um dos melhores filmes de terror já feitos, é a perversidade que circunda tudo. A ideia que se torna central nessa trama. A maldição que é despertada pelo sexo e que só pode ser quebrada pela morte.
Schrader explora conscientemente a figura de Nastassja Kinski com sua câmera. Ora por representações subjetivas de personagens ao seu redor como o irmão, ora como se a capturasse em plena selva tal qual um animal, ora muito diretamente por impulsos de objetificação do seu corpo.
Tudo articula, mesmo a última parte, uma concepção dela enquanto uma presença que esconde uma selvageria sob a pele. E em comparação à forma como o seu par e irmão é construído, para trazer à tona uma ideia de que a sua versão animalesca seria ainda mais feroz, menos controlada, menos consciente do alcance dos danos que ela pode causar.
Só que ainda que essa sordidez esteja bem clara e bem concretizada num subtexto. Ainda fica a impressão de que o filme enquanto desdobrar de enredo meio que não consegue escapar de abordagens genéricas de suspense.
A falta de força de personagens ao redor dos dois irmãos, de poder de atuação mesmo. Acaba rachando o filme em dois quando visto de certas formas.
Falta, curiosamente, um esclarecimento maior dessa imoralidade que só fica nas camadas abaixo da superfície. Por mais que a força do filme esteja justo nos seus impulsos menos claros e mais irracionais, é a ausência de explicações e esclarecimento que faz a obra parecer não ter rumo.
O filme cresce e termina bem pela força de seus ápices dessa exploração da selvageria da protagonista e do ato ritualístico que se torna o sexo. Mas a carga de narrativa banal de todo resto ainda está lá.
cat people EUA 1982
direção Paul Schrader
roteiro Paul Schrader DeWitt Bodeen Alan Ormsby
fotografia John Bailey
montagem Jacqueline Cambas Jere Huggins Ned Humphreys
elenco Nastassja Kinski Malcolm McDowell John Heard Ruby Dee Ed Begley Jr. Scott Paulin Frankie Faison Annette O’Toole Lynn Lowry John Larroquette Ron Diamond Tessa Richarde Berry Berenson Fausto Barajas Robert Pavlovich Julie Denney John H. Fields Emery Hollier Arione De Winter Francine Segal Ray Wise Jo Ann Dearing Danelle Hand Neva Gage Marco St. John Harry Hauss James Deeth